Na pandemia, política virou mais importante do que a ciência, diz Luiz Felipe Pondé
Filósofo e escritor participou do último ‘Direto Ao Ponto’ de 2020 e compartilhou suas visões sobre o negacionismo, a educação básica no Brasil e o mercado de trabalho
O último programa do “Direto Ao Ponto”, da Jovem Pan, em 2020 contou, nesta segunda-feira, 28, com a presença do filósofo, escritor e professor da PUC e FAAP, Luiz Felipe Pondé. Entre os temas abordados, o principal foi a pandemia da Covid-19, que atinge o mundo desde o início do ano e deve trazer mais implicações em 2021. Para Pondé, o coronavírus escancarou muitas facetas da sociedade. “A pandemia se transformou em networking, ela é uma commodity, uma commodity política. Observamos, no meio da pandemia, que a política é mais importante que a epidemiologia. Tem causas que justificam você ir na rua e transmitir o vírus, tem causas ou comportamentos que se você tiver é criticado. Há também uma polarização de que só existe os conscientes e os negacionistas. Falta análise epistemológica da pandemia. Está rolando uma espécie de dependência da pandemia que dura mais no imaginário do que na ciência”, explicou. Pondé foi sabatinado pelo apresentador do programa Augusto Nunes, a jornalista, repórter especial e âncora de telejornal, Maria Cristina Poli, o publicitário e administrador, Walter Longo, o jornalista e escritor, Bruno Meyer, e o comentarista do programa “De Tudo um Pouco” e colunista do site da Jovem Pan, Leandro Narloch.
Questionado sobre o negacionismo em relação às vacinas contra a Covid-19, o filósofo comentou que os seres humanos tem o hábito de querer ter a resposta correta para tudo, e a ciência não pode fornecer isso. “A racionalidade humana é uma experiência recente na nossa espécie. Podemos dizer que a razão como a conhecemos tem 2.500 anos pra cá. A racionalidade não é universal, a gente acha que é mas não é. Tampouco a ciência, que surgiu depois. E a ciência acho que é um empreendimento que ‘não pegou’ na sociedade, então não estranho que isso aconteça [pessoas não querem se vacinar]. As pessoas assimilam os resultados, mas o nível fabulador/mítico continua o mesmo. Pensar que as vacinas estão sendo desenvolvidas em tempo recorde mostra que a ciência deu certo. O público espera o senso comum da ciência, que ela responda como funcionam os anticorpos e etc., mas ninguém sabe com certeza ainda”, contextualizou.
Mercado de trabalho e educação
Pondé apresentou, também, um panorama sobre o mercado de trabalho para os jovens, e como os movimentos mercadológicos têm criado pessoas problemáticas. “Dou aula de graduação há 25 anos, e nesse tempo já encontrei muitos ex-alunos. Eu observo que o medo em relação ao futuro é muito forte entre eles. A pressão para bater meta, problema de relacionamento na família com home office… Há uma glamourização do tipo ‘no futuro vamos ser mais livres para trabalhar’. Talvez não para alguns setores, e não significa que você vai trabalhar menos, às vezes é muito mais. O sistema de mercado tirou muita gente do sofrimento, mas para tirar do sofrimento tem uma dinâmica de competição que move o mercado. Não é a toa que os jovens tomam tanto antidepressivo e ansiolítico, mas eu não vejo outra saída, outro sistema que produza tantas riquezas”, disparou.
O professor também afirmou acreditar que os sistemas de ensino têm sido determinantes para a formação de trabalhadores, não no aspecto técnico, mas na parte emocional e de vivências. “A escola privada virou um lugar de criação da autoestima. Houve uma ruptura na educação, entre as duas guerras, que é a ideia de que as gerações anteriores mataram muitas pessoas e não tem moral para ensinar ninguém. Um dia me disseram ‘como vamos responder para os jovens se fizemos um mundo horroroso?’ E eu me pergunto, ‘Onde está esse mundo horroroso?’. É um mundo onde se vive mais, que tem mais gente usufruindo do que quer, um mundo que tem mais gente circulando, que tem mais mulher trabalhando… O mundo sempre foi horroroso e não vai deixar de ser, sempre vai ter pepino. Mas tem essa ideia de que a nossa geração era cheia de preconceito. Será interessante quando a escola pública, que tem níveis de população mais baixas, começar a dar resultado porque não foi estragado pela riqueza”, disse.
Para ele, a única forma de mudar a educação no Brasil é investir na descentralização do Ministério da Educação — ou em sua extinção. “A centralização de um monte de coisas atrapalha um monte de coisas. Pela experiência de chão de sala de aula, o MEC mais atrapalha do que ajuda. É muito burocrático e está piorando com os anos. Não é um problema só brasileiro, mas o Brasil está se aprimorando. Eu acho que o MEC engessa o sistema. Decentralizar em estados e municípios é uma boa ideia. Centralizar muito em algumas áreas atrapalha porque abre espaço para visões fechadas e burocráticas”, finalizou. O filósofo também tratou sobre temas como o ressentimento e as pautas raciais.
Assista abaixo a íntegra do ‘Direto Ao Ponto’ com Luiz Felipe Pondé: