Dólar abaixo de R$ 5? Juros altos no Brasil e valorização das commodities fazem moeda cair 8% neste ano
O real voltou a chamar a atenção do mercado internacional por liderar a valorização contra o dólar em 2022 entre as principais moedas de países emergentes e grandes economias. Desde meados de janeiro, a divisa brasileira não sabe o que é perder para o par norte-americano. Neste ano, o dólar já acumula queda de 7,8%. No ano passado inteiro, a moeda dos EUA somou valorização de 7,4%. O cenário atual fez o dólar encerrar a R$ 5,12 na quarta-feira passada, 16, a menor cotação desde julho do ano passado. A divisa norte-americana recuperou um pouco do terreno nos dias seguintes e fechou a sexta-feira, 18, a R$ 5,14. O desempenho deixou o real acima do dólar pela sexta semana consecutiva. O novo ciclo de quedas passa por fatores domésticos, como os juros altos e arrefecimento das tensões políticas. No exterior, a valorização de commodities atrai investidores ao Brasil, um dos principais mercados do setor. O bom momento, no entanto, não deve se estender para além do primeiro semestre. Analistas apontam a volatilidade gerada pelo embate eleitoral como grande fator de risco para o câmbio nos próximos meses, somada com a recente tensão na geopolítica global e a subida dos juros em outros países.
A escalada dos juros aos dois dígitos é apontada como a principal força que leva o dólar para baixo. No início de fevereiro, o Banco Central (BC) subiu a Selic para 11,75% ao ano e sinalizou novo aumento na reunião agendada para o mês que vem. Em diversas oportunidades, o presidente da autoridade monetária, Roberto Campos Neto, afirmou que os juros vão subir até onde for necessário para controlar as expectativas da inflação em 2022 e 2023, que atualmente estão acima da meta. O tom faz os analistas preverem que o fim do ciclo de alta não está próximo e que o patamar pode chegar próximo de 13% até junho. A alta dos juros aumenta o rendimento da renda fixa e deixa o país mais atraentes aos investidores estrangeiros. O recente momento de trégua em Brasília também arrefece o risco político brasileiro, um dos principais motivos para o mau humor do câmbio no ano passado. “O risco-país deu uma pausa na piora, ao mesmo tempo que os juros continuam subindo, ou seja, o país está pagando mais por um risco que não sobe”, afirma o economista-chefe do banco Original, Marco Caruso.
O cenário internacional também tem sido favorável ao câmbio doméstico. A extensão do ciclo de valorização de commodities observado no ano passado chama o dinheiro dos investidores para os países que concentram esse mercado, como o brasileiro, que já recebeu quase R$ 50 bilhões em aportes desde o início do ano. Atualmente, a maior parte das empresas listadas na B3 (a Bolsa de Valores brasileira) é baseada em commodity, representadas principalmente pelas gigantes Petrobras e Vale. Também no cenário externo, a letargia das grandes economias em subir os juros, apesar dos sinais de inflação elevada, favoreceu o real ante o dólar. O principal exemplo deste movimento é o Federal Reserve (Fed), o Banco Central dos EUA, que ainda mantém parte dos estímulos econômicos adotados no início da pandemia do coronavírus. O mesmo exemplo foi visto em pares brasileiros, como o México, que subiu os juros depois do BC brasileiro e atualmente está com a taxa na metade da Selic, apesar de enfrentar a maior variação inflacionária em duas décadas.
A grande variedade de influências torna o câmbio um dos principais ativos para fazer previsão. A despeito dessa dificuldade, analistas enxergam que o dólar deve manter a trajetória de queda nos próximos dias ou semanas, com potencial de ficar abaixo da linha de R$ 5. “É possível que a moeda dos EUA belisque a casa dos R$ 4,90 por algum tempo”, afirma o economista e professor do Insper, Roberto Dumas. A mesma opinião é compartilhada pela economista-chefe da Traders Club, Fernanda Mansano, que enxerga um cenário para o câmbio se manter abaixo do atual patamar até o início do próximo mês. “Se mantermos o cenário atual, no curtíssimo prazo ele deve se manter na casa de R$ 5”, afirma, citando o recente risco no Leste da Europa como um dos maiores fatores da atualidade para a variação cambial. “Se esse risco aumentar, os agentes financeiros vão colocar o dinheiro em investimentos de menor risco, o que significa a retirada de recursos de países emergentes”, explica.
Os analistas são unânimes em indicar que o cenário favorável não vai resistir até a virada do semestre. A proximidade das eleições em outubro deve, de forma gradual, puxar o dólar para cima nos próximos meses. “A pressão eleitoral deve levar o câmbio para R$ 5,50 no fim do período”, projeta a economista-chefe da Reag Investimentos, Simone Pasianotto. A tensão política deve incidir sobre o risco fiscal, ou seja, a capacidade de o governo em manter o controle dos gastos. O temor do mercado é a adoção do populismo econômico pelo governo federal como meio de se manter competitivo durante o ciclo eleitoral. “A eleição vai ter um alto nível de octanagem. Vai ser a hora de os candidatos mostrarem os planos, e na verdade o plano é atacar o outro. O gringo vê esse cenário e vai embora”, diz Dumas. Aliada à depreciação do cenário interno, a escalada dos juros norte-americanos já deve dar sinais de consolidação da política monetária mais dura a partir do próximo trimestre no país.