Quem quer dar o golpe: o presidente eleito ou aqueles que negam a Bolsonaro o direito de se reeleger?

É possível ler pelo menos uma vez por dia que a democracia no Brasil está correndo os riscos mais sérios de sua história neste preciso momento — e todo mundo sabe perfeitamente quem é o responsável direto por isso, segundo nos dizem a mídia, as classes ilustradas e o Brasil equilibrado, europeu e social-democrata que tanto encanta a nossa elite. O culpado é ele mesmo: Jair Bolsonaro. Há, entre os riscos, os “atos antidemocráticos”, como as aglomerações de gente onde se pede o despejo dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Há as passeatas de motocicleta. São apresentadas ideias inconstitucionais, como a de que a presente Constituição não vale nada. Há a reivindicação de que o voto nas eleições de 2022 possa ser comprovado fisicamente. E há, acima de todas as outras ameaças fatais à democracia, a possibilidade de que Bolsonaro ganhe a eleição presidencial do ano que vem e continue presidente do Brasil por mais quatro anos.

Como assim? Isso aí é o que se chama de contradição absoluta. Como o resultado de uma eleição livre, direta, com voto universal e secreto, pode ser a pior ameaça à uma democracia? Pois é onde estamos hoje, exatamente. O debate político no Brasil foi sendo tão degenerado, mas tão degenerado, que eleição, conforme o resultado, passou agora a ser crime político. Há muita conversa, claro, sobre “movimentação militar”, coisas obscuras e imprecisas que ninguém foi capaz de definir até o momento. Aqui e ali murmura-se sobre algum tipo de “golpe de Estado” – sem que fique preciso, nunca, quem daria esse golpe, quando, como e onde. Como o presidente disse que o Brasil tem de ter eleições limpas, ou não terá eleição nenhuma, e como a eleição terá de ter voto auditável para ser limpa, e como não vai haver voto auditável, há uma confusão contratada para o no que vem. Há os “radicais” em volta de Bolsonaro, há o discurso do ódio (só do lado dele), há os “atos antidemocráticos”, há o general Braga — enfim, há uma infinidade de coisas que são relacionadas todos os dias para indicar que a democracia brasileira está em estado de coma. Mas tudo isso, em geral, é conversa para encher o noticiário. O problema, mesmo, é Bolsonaro ganhar a eleição.

Como assim? Isso aí é o que se chama de contradição absoluta. Como o resultado de uma eleição livre, direta, com voto universal e secreto, pode ser a pior ameaça à uma democracia? Pois é onde estamos hoje, exatamente. O debate político no Brasil foi sendo tão degenerado, mas tão degenerado, que eleição, conforme o resultado, passou agora a ser crime político. Há muita conversa, claro, sobre “movimentação militar”, coisas obscuras e imprecisas que ninguém foi capaz de definir até o momento. Aqui e ali murmura-se sobre algum tipo de “golpe de Estado” – sem que fique preciso, nunca, quem daria esse golpe, quando, como e onde. Como o presidente disse que o Brasil tem de ter eleições limpas, ou não terá eleição nenhuma, e como a eleição terá de ter voto auditável para ser limpa, e

como não vai haver voto auditável, há uma confusão contratada para o no que vem. Há os “radicais” em volta de Bolsonaro, há o discurso do ódio (só do lado dele), há os “atos antidemocráticos”, há o general Braga — enfim, há uma infinidade de coisas que são relacionadas todos os dias para indicar que a democracia brasileira está em estado de coma. Mas tudo isso, em geral, é conversa para encher o noticiário. O problema, mesmo, é Bolsonaro ganhar a eleição.

Quem não admite que existe uma maneira diferente da sua para de ver o mundo é um militante do totalitarismo

E nesse caso, quem é a verdadeira ameaça à democracia? O presidente, que só continuará a ser presidente se ganhar a eleição de 2022, ou quem nega a ele, em qualquer circunstância, o direito de se reeleger? É cada vez mais comum, na esquerda, dizerem que não vão “esperar” a eleição para desembarcar Bolsonaro do governo. Que diabo significa isso? Todo o discurso de oposição fala em “excluir a possibilidade” de mais quatro anos com ele. Prega-se abertamente, também, que a democracia é um valor que está “acima de qualquer outro”; como Bolsonaro, nessa maneira de ver as coisas, torna “impossível” qualquer regime democrático no Brasil, tudo passa a ser admissível para “deter” a sua caminhada. Outra coisa: impedir o “fascismo” é um dever cívico acima de qualquer lei, e está na cara desse evangelho que Bolsonaro e “fascismo” são exatamente a mesma coisa. É um dever de todos, portanto, agir nessa direção.

Os verbos são esses mesmos: excluir, deter, impedir. A mensagem que transmitem, quando se desconta a hipocrisia, é que não existem dois lados na próxima eleição e que quem ganhou deve levar. Só existe um lado legítimo — o que é contra Bolsonaro. Se ele perder, ganha a democracia; se ele ganhar, ganha a ditadura. Eis aí, no fundo, o ovo dessa serpente: a exclusão do “outro lado” da vida política. Tanto faz, aí, se quem acredita nisso é de esquerda ou de direita. Quem não admite que existe uma maneira diferente da sua para de ver o mundo, ou oposta à sua, é um militante do totalitarismo. É

assim em Cuba, na Venezuela ou na China — só há uma verdade, essa verdade é a do governo e quem discorda é um inimigo da sociedade. No Brasil de hoje, só pode haver um ganhador para a eleição de 2022 — o nome que não for Bolsonaro —, e quem discorda disso não deve ter voz. 

A esquerda, o centro equilibrado e o Brasil que se dá o direito de pensar por todos acreditam, como artigo de fé, que pessoas como Bolsonaro, com o seu temperamento, suas ideias, seu tipo de admiradores, sua atitude geral diante da vida, seus conceitos e preconceitos, suas simpatias e antipatias, suas reações etc. etc. não podem ser aceitas numa democracia. Gente assim não foi feita para participar da vida pública; são a negação dos valores “corretos” e uma fonte permanente de tensão. Pode ser, mas estas não são expectativas realistas, nem éticas, de uma sociedade democrática. Democracia, ao contrário, depende do conflito para existir — inclusive os conflitos trazidos por lideranças políticas como as do presidente Bolsonaro. Na verdade, as divisões, por mais duras que sejam, são essenciais num regime democrático. Todas elas, inclusive as representadas por Bolsonaro, que são tão legítimas quanto quaisquer outras. Por que não? Só os conflitos declarados virtuosos ou aceitáveis pelo STF, pela OAB e pelas classes intelectuais seriam permitidos? É o que se pretende no Brasil de hoje. Esquecem, todas essas almas tão preocupadas com as “instituições”, que se não houvesse divergências como as que são encarnadas por Bolsonaro, não haveria necessidade de democracia. Para que, se todos estão de acordo?

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