Retomada econômica mostra que auxílio emergencial não será mais necessário, diz Henrique Meirelles

Em entrevista à Jovem Pan, ex-ministro defende o teto de gastos, afirma que a CPMF cria distorções e crava que o estado de SP está mais preparado que o governo federal para iniciar a vacinação contra a Covid-19.

Ex-ministro da Fazenda e atual chefe da equipe econômica do estado de São Paulo, Henrique Meirelles afirma que a retomada da economia brasileira nos últimos meses dá tração suficiente para que o país entre 2021 sem a necessidade da manutenção dos auxílios lançados pelo governo federal para minimizar os impactos da pandemia do novo coronavírus. Em entrevista à Jovem Pan, o presidente mais longevo do Banco Central diz que a alta de 7,7% do Produto Interno Bruto (PIB) no terceiro trimestre de 2020 não é brilhante, mas indica que o Brasil encontrou a direção correta. “Não é algo para se comemorar como se o Brasil estivesse tido um desempenho excepcional, mas é bom e dá confiança de que estamos superando a crise.” Endossando o discurso do governador João Doria (PSDB), Meirelles afirma que a CoronaVac, desenvolvida pela Sinovac em parceria com o Instituto Butantan, deve estar acessível aos paulistas até janeiro. “A medida que as pessoas fiquem vacinadas, o nível de confiança das empresas e consumidores aumenta e dá solidez a essa posição de crescimento”, projeta.

Meirelles foi o responsável pelo texto que estabeleceu o teto de gastos quando comandava o Ministério da Fazenda no governo de Michel Temer (PMDB). O rompimento da barreira fiscal é classificado como um “risco muito grande” para o país após o controle das despesas públicas alcançado pela medida. “O teto de gastos não é uma questão de interesse apenas do ministro ou do presidente. O teto de gastos é de interesse do Brasil.” Meirelles também afirma que falta empenho ao governo nas negociações das reformas estruturantes no Congresso Nacional — mas que isso não é novidade —, e critica a volta da CPMF, que ele classifica como um artifício que gera desigualdades. “A CPMF é um imposto de difícil aprovação. A sociedade tem uma resistência, que é compreensível. É um imposto de características que criam muitas distorções.” Confira abaixo os principais trechos da entrevista exclusiva ao portal da Jovem Pan.

O avanço de 7,7% do PIB no terceiro trimestre de 2020 consolida a retomada da economia em ‘V’, conforme dito pelo ministro da Economia, Paulo Guedes? O crescimento foi um pouco abaixo do esperado, mas dentro de uma marca das expectativas. Em relação a essa questão de retomada em ‘V’ ou não em ‘V’, é uma discussão mais de ordem de marketing do que qualquer outra coisa. As economias do mundo todo saem de uma queda enorme. A média dos 30 países da OCDE, que são as economias mais desenvolvidas do mundo, é 8,5%. O Brasil está um pouco abaixo da média global, mas ainda está dentro de um patamar que eu diria bom. Não é algo para comemorar como se o Brasil estivesse tido um desempenho excepcional, mas é um desempenho bom e que dá confiança de que estamos superando a crise.

Olhando para 2021, o que podemos esperar da economia sem os estímulos do governo? De um lado, existe a retirada destes auxílios, mas, por outro, nós temos a saída da crise. A tendência é um grande volume de empresas, a totalidade da economia já voltando a atividade. Então, é normal que não se justifique mais a manutenção de situações emergenciais. Com isso, nós esperamos uma recuperação da economia e um crescimento do próximo ano ao redor de 3,2%, que está em linha com o que órgãos internacionais estão prevendo – os mais otimistas estão projetando 3,5%. 

Dá para acreditar que a economia consiga caminhar em 2021 sem esses auxílios? Sim, porque não há razão para que a economia não se recupere. O número de contaminações caiu muito. Está subindo um pouco agora, mas ainda distante do que esteve no pior momento. E o fato concreto é que uma das razões para essa subida do número de contaminações é exatamente porque a economia está retomando. Várias empresas estão voltando a trabalhar, e é exatamente isso que faz com que, após uma queda forte, o número de contaminados suba um pouco. Mas isso significa que toda a economia já está voltando, como em países do mundo inteiro. E o próximo ano tem um fator muito importante, que é a vacina. Nós estamos trabalhando com a hipótese de que a vacina do Instituto Butantan, a CoronaVac, já comece a ser aplicada em janeiro, e vá sendo distribuída cada vez mais até atingir uma parcela substancial da população. Isso vai gerar um impulso adicional no crescimento. A medida em que as pessoas fiquem vacinadas, o nível de confiança das empresas e dos consumidores vai aumentando e dá solidez a essa posição de crescimento de 3,5%. Evidentemente, existe incerteza em relação às vacinas que estão sendo compradas pelo governo federal para serem aplicadas no Brasil, mas a CoronaVac vai estar certamente disponível. E as outras vacinas podem demorar um pouco mais ou um pouco menos para serem aplicadas em escala maior. Mas, por exemplo, nas próximas semanas a vacina da Pfizer e do laboratório alemão BioNTech já começa a ser aplicada na Inglaterra. As vacinas estão disponíveis, é só uma questão de certa agilidade do governo federal em conseguir fazer essas contas e montar a estrutura de aplicação, coisa que São Paulo está bem mais adiantado.

O Ministério da Economia vem patinando há cerca de um ano na aprovação de textos considerados fundamentais para a retomada econômica. Falta capacidade de articulação no governo? Não há dúvida que falta uma ação mais firme, um processo de liderança maior do governo. Mas isso não é novo e não impediu que fosse aprovada a reforma da Previdência. Essa reforma foi aprovada muito mais por iniciativa do próprio Congresso Nacional. Acredito que a tendência é a mesma agora com as demais reformas. A reforma tributária é algo que  o Congresso está empenhado em fazer, seja o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, seja o presidente do Senado, Davi Alcolumbre. As lideranças estão mobilizadas para aprovação dessas reformas. A reforma tributária em primeiro lugar, posteriormente a reforma administrativa. No caso da tributária, especialmente ao que diz respeito à base do ICMS e ISS de estados e municípios, isso vai ser aprovado certamente pelo Congresso. A questão dos impostos federais vai depender um pouco de uma interação com o governo federal, precisa ficar mais clara qual é a proposta. E a reforma administrativa não há dúvida que não é algo que o Congresso pode fazer sozinho. O Congresso precisa de uma proposta básica para a reforma, e, a partir disso, através das suas lideranças, está se mobilizando para aprovar. Isso não é novo, é basicamente o que foi com a reforma da Previdência.

Se não é novo, por que as reformas não avançam no Congresso? A falta desse entendimento tem atrasado a votação. Mas, a partir do momento que passam as eleições municipais e o Congresso começa a voltar às atividades, mesmo que não haja essa articulação bem feita como seria desejável, no próximo ano, com a volta do recesso já em fevereiro, o Congresso já se mobiliza e aprova. No primeiro momento, é normal que haja necessidade de interação do governo federal com o Congresso. E no caso da reforma tributária, precisa se saber com certeza qual é a proposta do governo. As propostas do estados já estão prontas. Dos municípios, ao menos dos pequenos, existe um acordo. Existe um atraso em função da dificuldade de articulação do governo federal, mas o momento que passam as eleições, o Congresso volta do recesso, acredito que será uma evolução normal, apesar de haver um pouco de atraso em relação ao que poderia ter sido feito.

O senhor foi o ministro que aprovou o teto de gastos, e hoje este limite é alvo de disputa entre membros do próprio governo. Como o senhor vê esse movimento? Seria um risco muito grande. Se olharmos o que aconteceu até 2016, o Brasil vinha de um crescimento de muitos anos das despesas públicas, e isso acabou levando a uma recessão. Juros subiram, inflação subiu, confiança caiu, investimento caiu. Então o Brasil entrou em recessão em 2015 e 2016. Quando nós aprovamos o teto de gastos, isso gerou confiança, as despesas públicas estavam sob controle. Gerou queda da taxa de juros, queda da inflação, permitiu ao Banco Central adotar uma política monetária que ajudou na recuperação. Para isso, é importante que seja mantido o teto de gastos. São pressupostos para esse cenário de crescimento. Não está na hora de haver um desarranjo com a violação do teto de gastos, porque então teríamos, de novo, inflação subindo, confiança caindo, juros tendo que subir e voltaríamos ao quadro que poderia levar o Brasil, ao invés de um crescimento, para uma recessão.

O teto vai ser mantido em 2021 mesmo com toda a pressão em cima do presidente Jair Bolsonaro e do ministro Paulo Guedes? Espero que sim. O teto de gastos não é uma questão apenas de interesse do ministro ou do presidente. O teto de gastos é de interesse do Brasil. Foi aprovado em 2016 e permitiu que o Brasil voltasse a crescer. Espero que o Congresso tenha isso em mente e não altere de uma forma importante. 

A nova CPMF tem espaço no cenário atual? A CPMF é de difícil aprovação, a sociedade tem uma resistência compreensível a esse tributo. É um imposto de características que criam muitas distorções. Imagina que um produto, para ser fabricado, ele tenha duas ou três transações. Ele paga um determinado valor de CPMF. Um produto que tenha várias transações no processo, tem uma CPMF muito maior. Isso gera muita distorção na economia. E ele é de um caráter de piora de distribuição de rendimento. Ele taxa igualmente, independentemente da faixa de rendimento. A pessoa de baixa renda paga igualmente o imposto da pessoa com renda mais elevada. Temos que fazer as reformas. Essa é a solução. Criar distorções não é a solução. 

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